sábado, 25 de julho de 2009

Entrevista de Paulo Portas ao JN


Paulo Portas afasta todas as hipóteses de viabilizar um Governo minoritário do PS e estabelece o "caderno de encargos "com as condições para dar estabilidade parlamentar a um Governo minoritário do PSD. Está também decidido que esse compromisso não depende da ascensão do CDS a cargos ministeriais.

Foi difícil reconciliar-se com Ribeiro e Castro?

Sempre disse que o convidaria para as eleições legislativas e estou a cumprir a palavra que tinha sido dado e a assumir para o partido um compromisso institucional tal como as pessoas esperam dos partidos.

Será o seu líder parlamentar?

Em primeiro lugar, será preciso merecer eleger deputados. A minha atitude é de humildade democrática.

A mesma pergunta de outra maneira: não receia que o antigo líder do partido se transforma no líder da oposição interna?

Se temesse alguma coisa, certamente que não teria agido com a naturalidade e a convicção com que agi. As questões internas do CDS-PP ficaram arrumadas no dia das eleições directas. A minha obrigação é ser presidente para todos e procurar unir as pessoas. Conto com José Ribeiro e Castro como conto com todos os outros.

O CDS-PP voltou a ficar acima das expectativas apontadas pelas sondagens. Isso significa que já superou o desgaste da queda Governo de Santana Lopes?

Uma vez mais, as sondagens voltaram a enganar-se.

A culpa é das sondagens?

Em todas eleições essenciais verifica-se um engano esmagador quanto à votação do CDS. Nas últimas europeias, atingiu proporções inacreditáveis. O CDS era creditado com intenções de voto de 2 ou 3% e teve 8,5%. Evidentemente que estas sondagens influenciam os eleitores e, desta vez, influenciou desmotivando.

As sondagens condicionam o sentido de voto dos eleitores ?

Condicionam sempre os eleitores. Quando me vendem um carro avariado, acciono a garantia, mas este mercado das sondagens não tem regulação. Os erros sobre o CDS são persistentes. Como é possível que os institutos de sondagens não reflictam sobre isso? Estão a induzir as pessoas em erro ostensivo. Há aqui um problema e a opinião pública já revela cepticismo lúcido em relação às sondagens. As pessoas não gostam de ser enganadas.

Esses erros são involuntários ou têm objectivos políticos?

A realização de sondagens obedece a procedimentos técnicos e, se se verifica um erro persistente, significa que é preciso fazer alguma coisa se existir seriedade profissional. O erro está claramente dirigido para o CDS.

As sondagens fizeram-no perder votos?

Eu pergunto: quantas pessoas é que deixaram de votar no CDS porque acharam que não valia a pena porque o CDS não iria eleger um único deputado?

A pergunta inicial era no sentido de saber se o CDS já superou o desgaste da queda do Governo de Santana Lopes...

Passaram quatro anos e agora estamos a julgar as promessas e as realizações do Governo de José Sócrates. O resto já está julgado.

O CDS e o PSD estabeleceram cerca de 70 acordos autárquicos. É um ensaio para as legislativas?

Distinguimos o que é local do que é nacional. Há uma tradição autárquica de colaboração entre os dois partidos e não há razão nenhuma para a alterar. Estamos coligados em alguns concelhos e noutros somos adversários.

A não candidatura de Daniel Campelo pode significar a perda da única Câmara do CDS?

Temos boas perspectivas noutros casos... Tive com Daniel Campelo desentendimentos quanto à natureza do mandato de deputado, mas sempre salvaguardei o meu entendimento sobre a forma como governou Ponte de Lima. Deixa uma autarquia em que o orçamento com o pessoal pesa muito pouco no orçamento da Câmara, quatro milhões de contos a prazo na banca, sem endividamento, não existem empresas municipais, foi o concelho que devolveu mais IRS aos seus munícipes e tem os impostos municipais mais baixos. É um excelente caso de gestão.

Qual é a sua meta eleitoral para as legislativas?

O CDS pode e deve crescer, mas quem vai responder até onde irá crescer são os eleitores. O CDS trabalhou imenso na Assembleia da República apenas com 11 deputados. Isso significa que são pessoas de esforço. Somos um partido com gente de trabalho, valores e convicções . Quem trabalha assim, merece um estímulo dos eleitores.

O CDS precisa de tantos votos quantos os necessários para se tornar indispensável a uma solução de Governo?

Se o CDS não crescer, existem questões absolutamente essenciais que não irão mudar em Portugal. Se o CDS não crescer, os impostos não baixam. Se o CDS não crescer, a polícia não recupera a autoridade. Se o CDS não crescer, as leis penais não mudam. Se o CDS não crescer, o rendimento mínimo fica na mesma. Se o CDS não crescer, as pensões dos idosos continuarão a ser o parente pobre das políticas sociais. Se o CDS não crescer, não haverá recuperação da autoridade por parte dos professores. Se o CDS não crescer, a agricultura e o mar não serão considerada estratégicos.

A quem é que está a oferecer esse "caderno de encargos"?

Há muitos portugueses que pensam assim e nós representamos estes valores.

São valores mais próximos do PSD ou do PS?

Quero deixar muito claro que a experiência socialista terminou.

Está a dizer que está disponível para negociar com um Governo minoritário do PSD e nunca o fará com o PS?

A experiência socialista terminou. José Sócrates teve quatro anos e meio de legislatura, teve um presidente da República cooperante e teve uma maioria absoluta absolutamente obediente, que se transformou numa maioria absoluta absolutamente prepotente. Os resultados que deixa são fracos: fracos no desemprego, fracos nas contas públicas, fracos na pobreza. As pessoas estão muito cansadas sobre o que significam maiorias absolutas de um só partido: a tentação para o abuso e para a prepotência.

Apesar da crise internacional?

José Sócrates colocou todas as "fichas" na defesa dos grandes investimentos públicos e esse foi o seu erro vital na política económica.

Admite acordos de incidência parlamentar com o PSD?

Em 2002, dizia-se que o CDS não era um parceiro estável e o CDS estabeleceu um acordo de coligação e comportou-se lealmente com o PSD até ao último dia. Sei perfeitamente o que é dar estabilidade a um Governo e sei que para dar estabilidade não é necessário estar nesse Governo.

Não está a responder.

Já disse que a experiência socialista terminou.

Admite acordos de incidência parlamentar com o PSD?

Prudência e cautela com o PSD.

Com o PSD ou com este PSD?

É preciso, em primeiro lugar, responder a esta pergunta: para que serve o poder? Não estou obcecado em ser Governo, nem o meu partido está obcecado com as cadeiras ministeriais. Temos um conjunto de causas e, se essas avançarem, saberemos dar a necessária estabilidade. As pessoas estão cansadas da eterna repetição da alternância de semelhanças e não da alternância de diferenças. Estão cansadas de um "centrão"que encontram todos os dias no Banco de Portugal, na Caixa Geral de Depósitos...

...Onde o CDS colocou a sua ex-ministra Celeste Cardona.

...Deixe-me terminar... Há uma grande diferença entre o CDS e os dois partidos do "centrão": o CDS existe sem o Estado; PS e PSD tornaram-se partidos totalmente dependentes do Estado.

O CDS esteve no Governo e o "centrão" continua a existir.

Tivemos 8% dos votos. Era a influência que podíamos ter. Garanto que o CDS faz toda a difernença. Dou o exemplo do BPN. Não teria havido comissão parlamentar de inquérito por vontade do PS e do PSD e a comissão não teria ido tão longe sem o impulso determinante do CDS. Há demasiadas semelhanças entre o PS e o PSD, desde logo, em matéria fiscal e na justiça.

O que é mais importante: fazer o CDS crescer o tirar a maioria absoluta ao PS?

Este mandato de Sócrates falhou. As pessoas, além de não quererem a maioria absoluta do PS, não querem a maioria absoluta de um só partido.

O próximo Governo terá de optar entre controlar o défice público ou apostar no crescimento?

As metas não são incompatíveis, mas devem ser estabelecidas prioridades. O défice é importante, mas a economia é ainda mais. A senhora Merkel, chanceler da Alemanha, onde o equilíbrio das contas públicas é praticamente uma religião, diz que o país só cumprirá os 3% do défice em 2013. A sua prioridade será estimular a economia, através de uma redução de impostos, sobretudo dirigida às famílias de classe média e média baixa, famílias com mais filhos e empresas determinantes para a promoção do crescimento.

Portugal deve seguir o exemplo de um país com a dimensão da Alemanha?

O presidente Sarkozy também diz que não baixar impostos como arma de estímulo para a economia significa agravar a retoma e atrasar a recuperação.

É o fim do "aperto do cinto"?

O equilíbrio das contas públicas é uma boa política, mas damos mais importância, nesta fase, ao estímulo da economia. O ritmo de redução do défice deve ser, essencialmente, o ritmo do crescimento económico que conseguirmos. O crescimento gera receita. Vamos precisar de uma política fiscal como incentivo económico.

É realista defender a redução de impostos, em tempo de crise?

Quando, do ponto de vista económico, se sentirem os primeiros sinais de recuperação, é exactamente nesse momento que o estímulo fiscal à confiança do consumidor, do investidor, do empresário, deve ser utilizado. É um erro afirmar que não se reduzem impostos na próxima legislatura.

O PS assumiu isso, mas o PSD ainda não se pronunciou sobre a matéria. Já devia tê-lo feito?

De facto, não sabemos ainda o que pensa o PSD. O CDS definiu como prioridade o crescimento da economia, através de incentivos fiscais. À semelhança do que defendem vários governos europeus. Esta é a minha clarificação política assumida.

Todos os países têm argumentos para não cumprir o pacto de estabilidade...

Os tratados prevêem situações excepcionais. Temos uma divergência de fundo com os socialistas: Sócrates diz que não baixa os impostos para mantar o nível de investimento público; o CDS considera que uma política inteligente de redução da carta fiscal favorece o consumo privado e o investimento gerador de emprego.

Defende o abandono das grandes obras públicas?

As grandes obras públicas - novo aeroporto, TGV e terceira travessia do Tejo - consomem o pouco crédito disponível para as empresas, não são geradores de riqueza, por natureza, e têm uma grande componente de matérias-primas importadas. O nosso modelo de desenvolvimento deve assentar no emprego qualificado. As grandes obras não o exigem.

Tem criticado insistemente as leis penais aprovadas pelo PSD e pelo PS. O que é necessário mudar?

Portugal terá de escolher entre uma política mais acentuada na segurança ou nas garantias. A política de segurança dos últimos quatro anos foi desastrosa. Portugal tem mais 100 mil crimes participados, em uma década.

A questão é só mais polícia na rua?

Não; é de política integrada. Há um problema de recrutamento na polícia. Temos de reforçar o efectivo nas áreas metropolitanas. E não é possível construir uma política de segurança pelo lado da Administração Interna e descontruí-la pelo da Justiça.

O que é que isso significa?

Na esmagadora maioria dos casos, os criminosos não só não são julgados nas 48 horas legais como, ao fim de poucas horas, saem em liberdade e voltam a cometer crimes. Quando a criminalidade é jovem e não é interceptada cedo, mais tarde o que era um delito menor torna-se violento.

É preciso, então, intervir no campo do processo penal?

Não tenho dúvidas. Temos soluções consensuais que não são securitárias, são seguras. Imagine-se a motivação dos agentes que arriscam a vida para deter em flagrante e vêem as pessoas sair como se nada acontecesse. Há outra questão a ponderar: não é possível termos cada vez mais criminalidade e cada vez menos presos. Qualquer coisa não bate certo.

A questão dos bairros problemáticos é só policial?

É, no sentido em que quem lá vive tem direito a policiamento. Mas não é apenas. É preciso fomentar programas sociais que reduzam a toxicodependência, aumentem a empregabilidade, valorizem o respeito pelo património e, sobretudo, que reduzam o abandono escolar. Oponho-me a programas muito dirigistas, que decidem por rendas gratuitas e rendimento mínimo à descrição.

Se estivesse no Governo, acabaria com o rendimento social de inserção (RSI)?

Não.

Sabe qual o valor médio por pessoa do RSI?

Conheço os relatórios.

Noventa euros não tiram ninguém do trabalho.

Esse número é muito aparente. Podia dar-lhe exemplos de largas centenas de euros.

Reforce-se a fiscalização!

Esse é o nosso ponto. Que não se permita que uma prestação generosa se torne um financiamento ao não querer fazer nada. Proponho uma solução inovadora: contratualizar a gestão de programas com instituições sociais de referência, em cada bairro. Elas conhecem as pessoas.

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